top of page

O combate à violência doméstica contra a mulher em meio ao período de isolamento social

Reportagem desenvolvida por: Letícia Monteiro, Ravel Araújo e Matheus Maia.

Lei Maria da penha

MARIA DA PENHA (Foto: Divulgação)

Neste ano, a Lei Maria da Penha completa 15 anos de promulgação. Com a intenção de proteger mulheres da violência doméstica e familiar, foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

 

Considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três legislações mais avançadas do mundo, a Lei n. 11.340 possui 46 artigos distribuídos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra mulher, algo que ainda não existia.

 

Antes da Lei Maria da Penha entrar em vigor, a violência doméstica e familiar contra a mulher era tratada como crime de menor potencial ofensivo, julgados por juizados especiais criminais conforme a Lei n. 9.099/1995. Ou seja, a violência era banalizada e normalmente as penas se reduziam ao trabalho comunitário, multa ou pagamento de cestas básicas para a vítima ou para a comunidade. Além disso, não havia previsão de decretação de prisão preventiva ou flagrante do agressor. Com a criação do código, isso mudou.

O caso da farmacêutica brasileira Maria da Penha Maia Fernandes é um representativo de muitos outros que acontecem em todo o país. Em 1983, ela sofreu de severas agressões do então marido, Marco Antônio Heredia. Ele tentou matá-la em duas ocasiões, na primeira, com um tiro de espingarda, que a deixou paraplégica. Em seguida, após Maria ter voltado para casa depois de ter passado 4 meses no hospital e realizado diversas cirurgias, Marco tentou eletrocutá-la durante seu banho.

 

Devido a falta de ações efetivas e medidas legais, o próprio Estado foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) por negligência, tolerância e omissão de violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. 

 

Em 2002 foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Após anos de discussão com o Executivo, Legislativo e a sociedade civil, a nova legislação foi aprovada em 2006.

Sobre
Contextualização

O “lar” é o local de moradia do indivíduo e a “casa” está presente no artigo 5°, inciso 11, da Constituição Federal: “XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo”. Desta forma, a casa é o asilo do indivíduo. O “asilo”, de acordo com o Dicionário Online de Português é o “Lugar onde se está em segurança”, “Refúgio, abrigo”. Entretanto, para algumas pessoas, o lar não reflete esse sentimento.

Para as vítimas de violência doméstica, no entanto, o lar torna-se o local de repetição de traumas. No primeiro semestre de 2019, o total de ligações feitas ao 190, registradas sob a natureza de “violência doméstica”, foram de 142.005. Já no primeiro semestre de 2020, esse número aumentou para 147.379, um crescimento de 3,8%.  

 

Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, veio a necessidade do isolamento social, levando muitas mulheres a compartilhar o espaço com seus abusadores por períodos prolongados. O convívio e a vigilância constante, assim como as dificuldades socioeconômicas consequentes da pandemia, fragilizaram as redes de apoio da mulher.  

 

As consequências desse fato podem ser observadas nos dados sobre violência doméstica durante o ano de 2020. Colocando em números: em abril, quando se tinha 1 mês da pandemia, o número de denúncias no canal 180 aumentou em quase 40%, em comparação com o mesmo mês em 2019, de acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH). Em março de 2020, ainda no início da quarentena, o número de denúncias já havia subido 18%, em comparação com fevereiro daquele ano, que tinha 13,5%. 

 

No Brasil, só em 2020, durante a pandemia, foram registradas 105.821 denúncias de violência contra a mulher. Números ainda mostram que 30% das denúncias feitas pelo ligue 180 e o disque 100 são de violência doméstica. 

 

"Nós, infelizmente, tivemos de deixar dentro de casa agressor e vítima. Isso foi um fenômeno que aconteceu no mundo inteiro e nós lamentamos", declarou a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, durante coletiva de imprensa. Ainda de acordo com a Ministra, houve um aumento de denúncias nas delegacias virtuais. Em razão disso, o Governo Federal decidiu por criar outros canais de denúncia além do ligue 180 e do disque 100. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos passou a oferecer contatos pelo WhatsApp e lançou seu próprio aplicativo, chamado "Direitos Humanos Brasil", para atender denúncias. O intuito foi ajudar as mulheres a terem formas de fazer a denúncia sem que o seu agressor descobrisse.

 

O ministério afirma que, com a mudança de metodologia, não há como comparar esses dados com anos anteriores. Com essa mudança, pode-se fazer mais de uma denúncia com o mesmo protocolo, ao mesmo tempo que cada denúncia feita pode ter mais de uma violação ou até mais de um crime.

 

FIQUE ATENTO(A) ÀS FORMAS DE DENUNCIAR:

 

  • Disque 100;

  • Ligue 180;

  • Mensagem pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008;

  • Telegram, no canal "Direitos Humanos Brasil Bot";

  • Site da Ouvidoria do Ministério;

  • Aplicativo "Direitos Humanos Brasil" (Disponível em iOS & Android)

 

O aplicativo, assim como vários outros, permite o envio de fotos, áudios e vídeos, também conta  com atendimento para surdos, por meio de chamada de vídeo, onde a comunicação acontece por meio da Língua Brasileira de Sinais - Libras.

SUBNOTIFICAÇÃO

Uma das dificuldades que a crise sanitária trouxe foi a subnotificação dos casos de violência contra a mulher. Enquanto o número de denúncias aumentou, fomentado pelo convívio prolongado com os abusadores e pela disponibilização de diferentes plataformas de denúncia, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS-CE), o número de registros de casos de violência doméstica no Ceará diminuiram. Entre 2019 a 2020, a quantidade caiu 17%. 

 

Neste ano, nos meses de janeiro e fevereiro, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) contabilizou 3.123 casos denunciados de violência doméstica no Estado. No mesmo período em 2020, quando não havia isolamento social, o número foi 3.512, quase 8% maior. No entanto, a baixa dos casos durante o período de isolamento domiciliar não foi refletida no número de atendimentos do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública, mostrando que, apesar das vítimas chegarem a notificar o abuso, tem receio em seguir com a denúncia do parceiro

 

Isso é evidenciado pelo fato que os números de feminicídios e homicídios femininos apresentam crescimento, indicando também o aumento da violência doméstica e familiar. No relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dados apontam que no primeiro semestre de 2020 foram 649 vítimas de feminicídio, 2% a mais em relação ao mesmo período de 2019. 

Projeto Justiceiras
Projeto justiceiras

Devido ao aumento de casos de violência doméstica no Brasil, o Projeto Justiceiras surgiu com a visão de suprir a necessidade de sistemas alternativos para combater e prevenir à violência de gênero.

 

Formado por uma equipe multidisciplinar de voluntárias nas áreas do direito, psicologia, saúde e assistência social de todo o Brasil. Além de profissionais que prestam orientações nessas determinadas áreas, também oferece uma rede de apoio e acolhimento. 

 

O atendimento é sigiloso e feito de forma online. A vítima preenche um formulário com seus dados e informações sobre a violência que sofreu, sendo ela física, moral, sexual ou patrimonial, e então recebe as orientações necessárias. 

 

“A mulher, por estar dentro de casa, não tem condições de denunciar a violência doméstica, ela está todo tempo com o agressor, então com o projeto Justiceiras, e com outros também que atuam de forma online, ela tem a possibilidade de pegar o celular e fazer uma denuncia, é meio que um paliativo, nós somos um pronto socorro”, afirma Catarina Souza, que atua na liderança nacional jurídica do projeto.

 

No Brasil, o número de atendimentos realizados pelo Projeto Justiceiras foi de 5.391. Cerca de 7 em cada 10 mulheres atendidas relatam situação de violência conjugal e 76% moram com o seu agressor. 42% dessas mulheres estão desempregadas no momento.

 

Em 30% dos casos, o agressor tem acesso ao celular das atendidas. Pensando nisso, existe um botão de emergência para sair da página. Além disso, no próprio formulário, informa-se uma palavra chave para que seja possível identificar se realmente é a vítima quando entrarem em contato. 

 

As principais causas de violência doméstica, relatadas pelas vítimas no formulário disponibilizado no instagram do projeto, são o uso excessivo de celular, dependência econômica, uso abusivo de álcool e drogas, questões relacionadas com o direito de família: guarda de filhos, pensão, visitas e partilha de bens.

 

Fatores de diferenças sociais também devem ser destacados, como a cor da pele, idade, classe social e falta de recursos financeiros.

Associação marta

Fundada no final de 2019 por Damaris Harley, a Associação Marta leva o nome de sua mãe, que foi vítima de violência doméstica e patrimonial durante cerca de 20 anos. Casada, com filhos e sem um núcleo de apoio de pessoas próximas, Marta não conseguia sair do ciclo de violência, até que decidiu estudar e, a partir disso, conquistou sua independência financeira para poder sair do ambiente de violência. Inspirada pela história da própria mãe, Damaris criou a Associação, a qual começou como um grupo pequeno, cerca de 5 mulheres, que realizavam palestras em escolas com o intuito de promover a conscientização acerca da violência estrutural contra a mulher.

 

Em meio a pandemia, devido às restrições nas escolas, foi criado o Marta Escuta, com propósito de oferecer auxílio às mulheres que precisavam ficar em confinamento com seus agressores. O projeto de escuta solidária e assistência jurídica voluntária para mulheres vítimas de violência acontece periodicamente por meio de psicólogas e advogadas que se voluntariam para participar da iniciativa. 

 

Na edição mais recente, que aconteceu entre abril e maio deste ano, foram realizados 60 atendimentos, as mulheres são direcionadas aos órgãos competentes que poderão dar o apoio necessário. Uma das organizações a qual são feitos esses encaminhamentos é a Casa da Mulher Brasileira, que reúne no mesmo espaço diferentes serviços especializados.

“O nosso papel é, primeiramente, chegar nessas vítimas, ajudá-las a falar, para que elas possam realmente sair da situação de silêncio e a partir disso, recorrer a um órgão maior que vai acompanhá-las por um processo que vai ser longo", esclarece a coordenadora de projetos, Melina Coelho.

A associação é formada atualmente por 30 mulheres de diversas áreas como psicologia, direito, jornalismo, comércio exterior e design que atuam na prevenção e conscientização da violência estrutural contra a mulher. A associada Melina afirma que “uma sociedade não se move só com uma profissão, então é interessante ter essa gama de profissionais e estudantes por causa que é um projeto muito ligado à questão da sociedade e temos aqui várias expressões dela na Associação”

Associação Marta
bottom of page